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segunda-feira, 14 de março de 2011

Mário Rogério
Política

O livro aberto do Fundeb

Postado por Mário Rogério em 12 de março de 2011 às 07:45

Desde que publicamos neste espaço um artigo indagando onde estava a grana que todo santo dia entra nos cofres da secretaria da Fazenda que muita gente tem tentado responder a essa intrigante questão, dado o sentimento e, acima de tudo, as evidências da quebradeira geral do estado. O jornalista e ex-deputado Tomaz Teixeira, que divide comigo e com o Paulo Araújo a bancada no programa Tribuna Livre na Rádio Difusora, por exemplo, tem queimado muitos neurônios fazendo contas e mais contas e não consegue encontrar a verba. Durante essa semana, em seu blog no portaldifusora.com, fez projeções e mais projeções e não chegou a conclusão nenhuma. Mas um despretensioso relatório do Conselho Estadual do Fundeb, produzido em fevereiro de 2011 sobre os recursos recebidos em 2010, joga um pouco de luz sobre isso. Se as denúncias forem confirmadas por quem tem o dever de fiscalizar, pelo menos parte desse intricado mistério estará solucionado, sem precisar de nenhum Sherlock Holmes. Na verdade, é um relatório devastador que compromete gente com histórico de competência, seriedade e honestidade.

Esse relatório aponta algumas coisas interessantes. Uma delas era a obsessão da secretaria de Educação, que na época era comandada por Maria Xavier, testa de ferro do então deputado federal Antônio José Medeiros (PT), em pagar a vista a compra de livros, mesmo com cláusulas no contrato determinando o pagamento de forma parcelada, até pelo valor das compras. Quem leu o relatório deve ter ficado orgulhoso. Afinal, o comum são os órgãos públicos atrasarem o pagamento aos fornecedores e prestadores de serviços, o que ocorria com freqüência à época, o que fez com que muitas construtoras, por exemplo, abandonassem as obras. Mas na Educação não tinha disso não. O pagamento era à vista. Coisa de primeiro mundo.

O conselho notou: “contrato n° 0036805/2010. Aquisição de 20.000 (vinte mil) livros de Filosofia e 20.000 (vinte mil) livros de Sociologia. Valor de cada unidade: R$ 71,90. Empresa M.F. Distribuidora e Livraria LTDA. Valor: R$ 2.876.000,00 (dois milhões, oitocentos e setenta e seis mil reais). O ano letivo iniciou-se em março /2010 e a compra realizada em setembro/2010. Além disso, o pagamento referente ao contrato 182/2010 celebrado entre a SEDUC e a empresa M.F. DISTRIBUIDORA E LIVRARIA LTDA. foi realizado de uma única vez, infligindo assim a cláusula quarta do contrato citado, in verbis: CLÁUSULA QUARTA – DO PREÇO, DAS CONDIÇÕES DE PAGAMENTO E DE REAJUSTE: o preço ajustado para a aquisição dos bens constantes da Ordem de Fornecimento e da proposta da contratada é de R$ 2.876.000,00 (dois milhões, oitocentos e setenta e seis reais ) será pago em duas parcelas de R$ 1.438.000,00 (Um milhão, quatrocentos e trinta e oito mil reais). Nos autos do processo não constam a nota fiscal nem o atesto de recebimento do objeto, descumprindo assim a subcláusula da cláusula quarta do contrato citado, in verbis: CLÁUSULA QUARTA – DO PREÇO,DAS CONDIÇÕES DE PAGAMENTO E DE REAJUSTE. SUBCLÁUSULA PRIMEIRA – o pagamento dos bens de que se trata este Contrato será efetuada pela Contratante à Contratada em Reais, contra apresentação de fatura após atestado à entrega dos bens pela Unidade de Gestão e Inspeção Escolar UGIE da Seduc-PI”.

Essa era a regra: os livros eram comprados quase no final do período escolar, pagos a vista, sem que a empresa apresentasse nota fiscal e também sem que fosse atestado o recebimento da mercadoria. Agora, leitor(a) amigo(a), atente para o mês da compra: setembro/2010. E o que estava acontecendo em setembro de 2010? Adivinhou. A reta final do primeiro turno das eleições. E um dos candidatos era exatamente o dono do feudo da Educação, Antônio José Castelo Branco Medeiros, que disputava uma cadeira no Senado.

Mas leitor amigo, o processo citado acima foi apenas um dos vários analisados pelo conselho do Fundeb. Em quase todos eles haviam irregularidades. Por exemplo: a secretaria fraudava declarações para justificar as compras sem licitação, especialmente das empresas M.F. Distribuidora e Livraria Ltda. e Brasil Nordeste Ltda. Além disso, há uma norma do Ministério da Educação em que, nesses casos, a empresa fornecedora é obrigada a conceder um desconto de pelo menos 20% no valor global. Uma espécie de compensação para a compra sem licitação. E o que foi que o conselho constatou? Que o desconto não foi pedido e, o mais grave, os valores ainda foram superfaturados. Era ou não era boazinha a secretaria?

Toda essa grana era oriunda do Fundeb, que teve um aumento extraordinário em 2010. Conforme informamos no artigo citado, foram R$ 463.222.166,92 (quatrocentos e sessenta e três milhões, duzentos e vinte e dois mil, cento e sessenta e seis reais e noventa e dois centavos). Desse montante, o governo repassou ilegalmente para a conta única R$ 380.544.789,38 (trezentos e oitenta milhões, quinhentos e quarenta e quatro mil, setecentos e oitenta e nove reais e trinta e oito centavos). Foi tanto dinheiro que o governo resolveu até usar uma parte para beneficiar os amigos do Instituto Civitas. Mesmo sendo proibido, o governo usou recursos do Fundeb para financiar os cursinhos populares, que eram ministrados pelo instituto, que, evidentemente, não tinha dificuldades para receber. Só em 2010 foram mais de R$ 500 mil. Quem não se beneficiou do mega aumento do fundo foram os professores, que tinham direito a 60% do total. Para eles, o discurso era o de que a arrecadação estava caindo devido a crise.

Foi através dos professores que estavam em greve que tivemos acesso a esse relatório, que pode ser lido na íntegra por quem se interessar. Basta procurar no Google “Comissão produz relatório devastador contra secretaria de Educação”. E foi através desse documento que o mistério da grana começou a ser desvendado. Isso certamente é apenas a ponta de um volumoso iceberg. Há toda uma monumental rede de proteção sob a qual se esconde a verdade sobre a utilização de recursos no governo Wellington Dias. Só se tem notícias dos pobres de ontem milionários de hoje, das campanhas espetaculares e do rio de dinheiro gasto nas últimas eleições. Quer dizer, os milagres estão à vista de todos. Já os santos...

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